A Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e outras quatro entidades médicas lançaram recentemente a “Brazilian Evidence-Based Guideline on the Management of Obesity and Prevention of Cardiovascular Disease and Obesity-Associated Complications”, um documento que redefine a abordagem da obesidade como fator determinante para a saúde do coração. Publicada na Arquivos Brasileiros de Cardiologia, a diretriz integra o manejo do peso à prevenção primária e secundária das doenças cardiovasculares.
Segundo o texto, a obesidade não deve ser tratada apenas como um marcador estético ou metabólico, mas como uma doença crônica e multifatorial, com impacto direto sobre o desenvolvimento de hipertensão, diabetes tipo 2, dislipidemias e insuficiência cardíaca. A nova diretriz orienta o rastreamento precoce e o tratamento contínuo, incluindo estratégias farmacológicas, comportamentais e cirúrgicas quando indicadas.
Integração entre cardiologia e medicina metabólica
O documento foi elaborado por especialistas da SBC, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), Sociedade Brasileira de Medicina da Família e Comunidade (SBMFC), Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) e Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM). Essa integração busca alinhar o tratamento da obesidade à prevenção cardiovascular, reforçando que o controle do peso corporal reduz significativamente o risco de eventos como infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral (AVC).
Entre as recomendações, o texto sugere o uso de índices complementares ao IMC, como a circunferência abdominal e a relação cintura/altura, considerados melhores preditores de risco cardiovascular em populações latino-americanas. Além disso, enfatiza a importância da mudança de estilo de vida, com foco em alimentação equilibrada, atividade física regular e controle do sono.

Novas abordagens terapêuticas contra a obesidade e políticas públicas
A diretriz também inclui a discussão sobre o uso de novos fármacos antiobesidade, como agonistas do receptor GLP-1, que vêm mostrando benefícios não apenas na perda de peso, mas também na redução do risco cardiovascular; conforme evidenciado em estudos recentes como o SELECT Trial, publicado no New England Journal of Medicine em 2024.
Além da abordagem clínica, os autores ressaltam a necessidade de políticas públicas voltadas à prevenção da obesidade desde a infância, ampliando o acesso a alimentos saudáveis e espaços de prática esportiva. Dados do Ministério da Saúde indicam que mais de 60% dos adultos brasileiros estão acima do peso, e 1 em cada 4 apresenta obesidade; números que vêm crescendo de forma contínua desde 2006.
O cardiologista Dr. Andrei Spósito, membro da SBC e um dos coordenadores do documento, destaca que “tratar a obesidade é tratar a raiz de grande parte das doenças cardiovasculares no país”. Para ele, a nova diretriz marca uma mudança de paradigma: “A obesidade precisa ser encarada como o primeiro elo da cadeia que leva ao infarto e ao AVC, e não como uma consequência isolada”.
Implicações para a prática clínica no Brasil
Com a publicação, o Brasil se alinha às tendências internacionais que reconhecem a obesidade como condição inflamatória crônica e fator de risco independente para mortalidade cardiovascular. A expectativa é que as novas recomendações auxiliem médicos de diferentes especialidades a adotar condutas mais integradas, priorizando o acompanhamento contínuo e o diagnóstico precoce.
A diretriz reforça ainda que o tratamento deve ser personalizado, considerando contexto socioeconômico, perfil metabólico e histórico familiar. Para os especialistas, o grande desafio agora é transformar as evidências em ações práticas nos sistemas público e privado de saúde, garantindo que a obesidade seja tratada com a seriedade e o acompanhamento que o risco cardiovascular exige.













