Um novo estudo publicado na revista Global Health Research and Policy, do grupo Springer Nature, revelou uma forte desigualdade regional nas mortes por doenças cardiovasculares no Brasil.
A pesquisa, intitulada “Trends and inequalities in cardiovascular mortality across Brazilian states from 1996 to 2019”, analisou dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde e mostrou que, embora as taxas de mortalidade por doenças cardíacas isquêmicas e cerebrovasculares tenham diminuído no país como um todo, a redução foi muito desigual entre os estados.
De acordo com os pesquisadores, estados das regiões Sul e Sudeste apresentaram reduções consistentes de mortalidade cardiovascular ao longo das duas últimas décadas, impulsionadas por melhorias no acesso à atenção primária, maior cobertura vacinal e ampliação de políticas de prevenção.
Em contraste, Norte e Nordeste registraram declínios mais lentos e, em alguns casos, até estabilização das taxas, evidenciando disparidades socioeconômicas e estruturais na assistência à saúde.
Tendências e fatores associados
Entre 1996 e 2019, a mortalidade por doença cardíaca isquêmica caiu cerca de 42% em São Paulo, 39% no Rio Grande do Sul e 35% no Paraná, enquanto estados como Maranhão, Pará e Alagoas apresentaram reduções inferiores a 15%. Já as mortes por acidente vascular cerebral (AVC) seguiram trajetória semelhante, com quedas expressivas no Sudeste, mas índices ainda elevados no Norte e Nordeste.
O estudo relaciona essas diferenças ao acesso desigual a diagnóstico, controle de fatores de risco e infraestrutura hospitalar. Regiões com maior densidade de cardiologistas e unidades de saúde estruturadas apresentaram resultados mais favoráveis, enquanto locais com baixo investimento público e menor oferta de exames básicos, como eletrocardiograma e perfil lipídico, mantiveram taxas elevadas de mortalidade.

Impacto socioeconômico e desafios regionais
Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), doenças cardiovasculares continuam sendo a principal causa de morte no Brasil, respondendo por cerca de 30% dos óbitos anuais. Essa carga é amplificada em regiões de menor renda, onde o controle de hipertensão, diabetes e dislipidemias é mais precário.
Os autores do estudo destacam ainda a influência de determinantes sociais da saúde, como escolaridade, renda e urbanização, que afetam diretamente o risco cardiovascular. Estados com maior vulnerabilidade social tendem a registrar piores indicadores mesmo quando o acesso à atenção básica é ampliado.
Para o cardiologista Dr. Antônio Carlos Lopes, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica, “essas diferenças regionais são um reflexo de décadas de desigualdade na distribuição de recursos e de políticas públicas pouco adaptadas às realidades locais. O desafio é levar prevenção e acompanhamento de qualidade aonde o sistema ainda é mais frágil”.
Caminhos para reduzir a desigualdade
Os pesquisadores defendem que a implementação de estratégias regionais de prevenção cardiovascular é essencial para reduzir as disparidades. Isso inclui fortalecer a Atenção Primária à Saúde (APS), melhorar o rastreamento de fatores de risco e garantir o acesso a medicamentos de baixo custo, como anti-hipertensivos e estatinas.
Além disso, o estudo sugere que o uso de plataformas de dados nacionais pode auxiliar gestores públicos a direcionar recursos de forma mais eficiente e identificar áreas críticas.
Os resultados reforçam a necessidade de políticas de saúde sensíveis às desigualdades regionais, integrando ações de prevenção, diagnóstico e tratamento. Para os autores, o futuro da cardiologia brasileira depende da capacidade de transformar essas evidências em estratégias equitativas e sustentáveis.













